O Poder das Redes Sociais na disputa pela Prefeitura: lições de Fortaleza e São Paulo
- W. Gabriel de Oliveira
- 4 de out. de 2024
- 7 min de leitura
Agora que chegamos ao período eleitoral em que os candidatos são proibidos de darem entrevistas diretas, tanto em Fortaleza quanto em São Paulo, os candidatos estão apostando fortemente nas redes sociais para mobilizar eleitores e ampliar seu alcance de outras formas, sendo as redes sociais a principal ferramenta de comunicação com o público neste momento.

Em São Paulo, é fato que o candidato Pablo Marçal (PRTB) lidera o engajamento nas redes sociais, com mais de 46 milhões de interações em uma única semana (dados coletados de um artigo publicado no Estado de Minas, que reportou isso por pesquisas do Datafolha e Codecs, mencionando que entre 16 e 22 de setembro, Marçal foi o candidato com maior engajamento digital, apesar de ainda estar tecnicamente empatado com os outros dois candidatos).
Isso demonstra sim a força de uma campanha digital focada em grande escala. Porém, essa popularidade online nem sempre reflete diretamente nas intenções de voto. Marçal, apesar do alto engajamento, ainda está, pelo menos, empatado com Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) nas pesquisas. Boulos, por sua vez, usa suas redes sociais para mobilizar uma base jovem e engajada, sendo o segundo maior em interações digitais (com 1,8 milhão de interações, o que mais que dobrou sua participação em relação à semana anterior), o que indica que as redes têm potencial para equilibrar a disputa política mesmo para candidatos fora do establishment tradicional.
CRÍTICIA AO USO DESMEDIDO DAS REDES SOCIAIS NA DISPUTA ELEITORAL DE SÃO PAULO
O fato de Pablo Marçal estar absolutamente à frente no engajamento nas redes sociais, mas ainda empatado nas pesquisas de intenção de voto, revela uma tensão interessante entre o poder das interações digitais e a efetiva conversão dessas interações em apoio político real. O caso de Marçal evidencia um fenômeno comum nas campanhas modernas: o engajamento nas redes sociais, embora importante, não garante automaticamente votos. Isso ocorre por diversas razões, que podem ser compreendidas sobre o atual comportamento político e comunicação digital brasileiro.
A ciência política aponta que o comportamento eleitoral é influenciado por múltiplos fatores além das redes sociais, como:
história partidária;
preferências políticas estáveis; e
identificação ideológica dos eleitores.
Marçal, ao atrair grandes interações online, especialmente em plataformas como o Instagram e TikTok, pode estar atingindo um público mais jovem ou menos politicamente engajado, que ainda não traduz suas interações digitais em votos.
Este público, muitas vezes, consome conteúdo de forma superficial ou busca apenas entretenimento, o que explica o descompasso entre engajamento e intenção de voto.
A comunicação política digital também nos alerta para a "falácia do engajamento". Pesquisadores como Chadwick (2017) explicam que, embora as redes sociais sejam eficazes para a disseminação rápida de mensagens e para a ampliação de visibilidade, elas frequentemente operam em bolhas de audiência. Isso significa que Marçal pode estar dominando uma faixa específica de usuários, mas não necessariamente ampliando sua base para além de seus apoiadores mais fiéis.
Tudo indica que Pablo Marçal não foi totalmente eficaz em sua campanha eleitoral, até agora, para furar essas bolhas de audiência de forma positiva a ponto de mudar votos dos adversários ou engajar mais ainda seu público. Ou seja, ele ainda se encontra no estado de "falácia do engajamento", por ainda estar empatado, como explica Chadwick (2017).
Outro aspecto a ser considerado é a "popularidade superficial", como argumentam Gunn Enli e Eli Skogerbø (2013). O engajamento pode, muitas vezes, se basear em interações que não refletem uma profunda adesão às propostas ou à personalidade do candidato. Comentários, curtidas e compartilhamentos podem vir de uma audiência que busca apenas conteúdo viral ou está interagindo de maneira crítica, sem intenção de apoiar politicamente o candidato.
Ainda em 2013, Gunn Enli e Eli Skogerbø, pesquisadores da área de comunicação e política, publicaram um artigo intitulado "Personalized Campaigning in Party-Centred Politics: Twitter and Facebook as arenas for political communication". Nele, discutem como as redes sociais podem dar a impressão de popularidade sem necessariamente refletir em resultados políticos substanciais. Esse é um conceito que pode ser interpretado como "popularidade superficial", em que engajamento e interações online nem sempre correspondem a uma base eleitoral forte e coesa.
O cenário de Marçal pode ser lido como um exemplo da limitação do marketing político digital, no qual o volume de interações não necessariamente reflete uma base eleitoral sólida. Em comparação, candidatos como Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), que têm os requisitos mais tradicionais de influência eleitoral, conseguiram, mesmo com muito menos engajamento, empatar com Pablo Marçal.
A estrutura mais tradicional de Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) mostra uma estrutura partidária e um histórico de participação política mais consolidado que Pablo Marçal. E pode ser isso justamente que vem a converter a comunicação tradicional e digital em intenções de voto mais estáveis.
Isso ressalta a necessidade de campanhas equilibradas, que combinem a visibilidade digital com estratégias que consigam, de fato, mobilizar eleitores em direção às urnas.

UMA ANÁLISE DO USO DAS REDES SOCIAIS NA DISPUTA ELEITORAL DE FORTALEZA
Em Fortaleza, a corrida também é acirrada, com André Fernandes (PL) liderando no engajamento digital, especialmente no TikTok, em que o principal influencer da campanha. André Fernandes utiliza estratégias de vídeos curtos e viralização, criando um contraste direto com Evandro Leitão (PT), que aposta em uma comunicação mais tradicional. Com os dois candidatos tecnicamente empatados nas pesquisas, as redes sociais podem ser o fator decisivo para conquistar o voto do eleitorado indeciso.
Uma conexão interessante entre as duas cidades é a utilização crescente do TikTok e Instagram, plataformas que têm sido cruciais para alcançar o público (não apenas jovem, mas prioritariamente). A tendência é que essas redes continuem sendo fundamentais no segundo turno, caso haja, especialmente pela possibilidade de impulsionamento de vídeos curtos e segmentação precisa de eleitores indecisos.
A PERMISSÃO DE IMPULSIONAMENTO DE VÍDEOS CURTOS E DE TRÁFEGO PAGO HIPERSEGMENTADO
O uso de redes sociais para impulsionamento de conteúdos durante campanhas eleitorais é permitido no Brasil, mas com algumas regras específicas. Desde 2018, com a reforma da Lei Eleitoral (Lei nº 13.488/2017), é permitido o uso de impulsionamento de conteúdos por candidatos, partidos e coligações, inclusive com o uso de vídeos curtos e segmentação precisa de público, como eleitores indecisos. O impulsionamento só pode ser realizado por meio de plataformas que oferecem o serviço de forma pública e transparente, como Facebook, Instagram e Google, e deve estar identificado como conteúdo patrocinado.
A segmentação de eleitores, incluindo por localização, interesses e comportamento, é uma estratégia permitida, desde que o impulsionamento seja realizado conforme as regras da Justiça Eleitoral. Entretanto, é proibido o uso de ferramentas que envolvam práticas de desinformação ou fake news, e os anúncios devem ser devidamente registrados e fiscalizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Além disso, o impulsionamento só pode ser feito por partidos e candidatos, sendo vedada a contratação de pessoas ou empresas terceirizadas para essa prática sem a devida autorização eleitoral.
O USO DA FAKE NEWS E DA MANIPULAÇÃO EMOCIONAL COM DESINFORMAÇÃO EM TEMPOS ATUAIS DE DISPUTA ELEITORAL
A disseminação de fake news e a manipulação emocional através das redes sociais representam um dos maiores desafios para as campanhas eleitorais contemporâneas, especialmente em contextos polarizados, como as eleições municipais. Com o crescimento das plataformas digitais, candidatos e grupos de interesse utilizam redes sociais não apenas para promover suas propostas, mas também para disseminar desinformação de maneira massiva e precisa, criando um ambiente propício para manipulação do eleitorado.
As fake news - informações falsas ou distorcidas intencionalmente para enganar - são disseminadas rapidamente através de redes sociais como Facebook, WhatsApp e Instagram, no qual a viralização pode ocorrer em questão de horas. Esse fenômeno é impulsionado por algoritmos que promovem conteúdos populares, sem verificar sua veracidade, com base no número de interações. Isso cria um ciclo de desinformação em que mensagens falsas ganham mais destaque do que as verificadas.
A manipulação emocional é outro fator crucial nesse cenário. Ao tocar em questões sensíveis, como medo, raiva ou esperança, campanhas e atores políticos conseguem mobilizar o eleitorado de maneira irracional.
Esses sentimentos intensos obscurecem o julgamento crítico do eleitor, que passa a reagir emocionalmente em vez de refletir racionalmente sobre as propostas e os fatos. Essa estratégia, explorada na política digital, torna-se mais perigosa ao ser combinada com o uso de fake news, reforçando estereótipos e preconceitos.
Nessas bolhas de engajamento, a desinformação se espalha ainda mais rapidamente, pois é amplamente aceita e pouco questionada pelos usuários. O perigo é que essa segregação informacional impede um debate político saudável e plural, minando a confiança no processo democrático.
Esse ambiente de bolhas de engajamento, como descrito por teóricos como Cass Sunstein no conceito de "câmara de eco", se forma quando os usuários são expostos apenas a informações que reforçam suas crenças pré-existentes, evitando visões divergentes.
Nas eleições de 2024, tanto em São Paulo quanto em Fortaleza, essas dinâmicas podem ser extremamente prejudiciais. A desinformação pode desvirtuar a discussão pública, levando eleitores a tomarem decisões com base em informações falsas. Além disso, a criação de bolhas informacionais dificulta a construção de consensos, polarizando ainda mais o debate político. Eleitores expostos a campanhas manipulativas podem perder de vista os fatos, o que, a longo prazo, afeta a legitimidade das eleições e a confiança nas instituições democráticas.
É fundamental que tanto os eleitores quanto as plataformas tomem medidas para combater a disseminação de fake news e a manipulação emocional nas redes sociais. A educação midiática, a checagem de fatos e a responsabilização das plataformas digitais por seu papel na amplificação de desinformação são passos essenciais para garantir que as eleições sejam justas e baseadas em debates fundamentados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Brasil. Lei nº 13.488, de 6 de outubro de 2017. Altera a Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Lei/L13488.htm>. Acesso em: 04 out. 2024.
Chadwick, Andrew. The Hybrid Media System: Politics and Power. Oxford: Oxford University Press, 2017.
Enli, Gunn; Skogerbø, Eli. Personalized Campaigning in Party-Centred Politics: Twitter and Facebook as Arenas for Political Communication. Information, Communication & Society, v. 16, n. 5, p. 757-774, 2013. DOI: 10.1080/1369118X.2013.782330.
Sunstein, Cass R. Republic.com. Princeton: Princeton University Press, 2001.
Sunstein, Cass R. Republic.com 2.0. Princeton: Princeton University Press, 2007.
Tribunal Superior Eleitoral. Resolução TSE nº 23.610/2019: Dispõe sobre a propaganda eleitoral, a utilização e geração do horário gratuito e as condutas ilícitas em campanha eleitoral nas eleições. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/jurisprudencia/jurisprudencia-eleitoral/resolucao-tse-no-23-610-de-18-de-dezembro-de-2019>. Acesso em: 04 out. 2024.
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