Inteligência Artificial na música: revolução criativa ou moda passageira?
- W. Gabriel de Oliveira
- 14 de set. de 2024
- 4 min de leitura

O impacto da inteligência artificial (IA) na criação musical é um tema que divide opiniões, gerando tanto entusiasmo quanto receio. No meio dessa novela, a questão não se trata apenas de uma tecnologia passageira ou de uma moda, mas sim de uma mudança na forma como a arte é percebida e criada. Olhando para a história, várias tecnologias, no início rejeitadas, foram eventualmente incorporadas e transformaram a música de maneira irreversível.
A evolução da percepção tecnológica na música
Se voltarmos no tempo, o advento do sintetizador e do autotune são exemplos claros de tecnologias inicialmente vistas com desdém por críticos e artistas mais puristas. O autotune, quando introduzido, foi amplamente criticado por "mecanizar" a voz humana, afastando-a de sua autenticidade natural. Hoje, no entanto, tornou-se uma ferramenta comum no arsenal de produção musical, sendo essencial em gêneros como o pop e o hip-hop. Como destaca Holmes (2012), "a rejeição inicial de qualquer tecnologia sonora tende a suavizar com o tempo, à medida que a inovação se transforma em estilo" (HOLMES, 2012).
Outro exemplo, que quase ninguém lembra, porque não vieu essa época, é a própria gravação de áudio. No início do século XX, músicos e críticos viam o fonógrafo como uma ameaça à pureza da performance ao vivo. Segundo Katz (2010), "a gravação foi inicialmente percebida como uma distorção da realidade musical, uma espécie de arte menor" (KATZ, 2010). No entanto, a gravação não apenas foi aceita, como se tornou uma parte fundamental do processo criativo, permitindo novas formas de manipulação sonora, como loops e overdubs, que hoje são inseparáveis da música moderna.
Esses exemplos sugerem que a IA, tal como o autotune ou os sintetizadores, pode seguir um caminho semelhante de aceitação gradual, tornando-se uma ferramenta amplamente utilizada por músicos. Com o tempo, ela não será apenas uma moda passageira, mas um elemento fixo no processo criativo.
O toque humano na arte musical
A questão filosófica também é mais profunda do que pensamos: o que diferencia a arte feita por humanos daquela mediada ou criada por máquinas? O filósofo alemão Walter Benjamin, em seu famoso ensaio "A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica" (1936), argumentou que a autenticidade de uma obra de arte está ligada à sua "aura", ou seja, sua unicidade e relação com o contexto de sua criação (BENJAMIN, 1936). Em uma era na qual a IA pode criar música sem a intervenção direta do humano, teoricamente essa "aura" poderia estar em risco. Mas, assim como a gravação não eliminou o valor da performance ao vivo, a IA não necessariamente diminuirá o valor da criatividade humana, mas sim ampliará suas capacidades. Por exemplo, uma música em que a letra é feita totalmente pela criatividade humana e o prompt que dá origem à melodia é também pensada e escrita pelo homem seria algo menor?
O diferencial crucial da música criada com o auxílio da IA é o toque humano que permeia o processo. A IA pode fornecer padrões rítmicos, progressões harmônicas e sugestões melódicas, mas é o humano que, ao final, faz as escolhas e dá sentido à obra, no momento em que escolhe o melhor prompt para criação melógica para se encaixar na expressão que ele, homem, quis passar. Como sugere McLuhan (1964), "a tecnologia não elimina o papel humano, mas altera o meio através do qual a expressão ocorre" (MCLUHAN, 1964).
Uma nova ferramenta criativa
A IA, assim como as inovações tecnológicas anteriores, não deve ser vista como uma substituta da criatividade humana, mas como uma ferramenta a ser utilizada para explorar novos caminhos sonoros. Artistas como Holly Herndon, Taryn Southern e até a Sobretons, que dá nome a este blog, já utilizam IA como co-criadoras em seus trabalhos, criando colaborações únicas entre humano e máquina.
A história mostra que a adoção de novas tecnologias na música sempre foi um processo de assimilação e adaptação, no qual os músicos reconfiguram a tecnologia para atender às suas necessidades expressivas. Dessa forma, a IA tem o potencial de ser uma ferramenta poderosa, mas será sempre a visão e o toque humano que definirão o valor artístico final. Assim, a música mediada pela IA provavelmente seguirá o mesmo caminho das tecnologias anteriores: rejeição inicial, aceitação gradual e, eventualmente, integração plena ao processo criativo.
A música criada com o auxílio da IA não é uma moda passageira, mas uma evolução na forma como os artistas interagem com a tecnologia. No entanto, o toque humano permanecerá central, utilizando a IA como uma ferramenta para expandir as possibilidades criativas. A música, enquanto expressão da condição humana, continuará a refletir nossas emoções, experiências e ideias, independentemente das ferramentas que utilizamos para criá-la. Ou, como diz uma música da Sobretons: uma forma de sublimação musical mais democrática para o homem.
Referências bibliográficas
BENJAMIN, W. A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica. 1. ed. São Paulo: Brasiliense, 1936.
HOLMES, T. Electronic and Experimental Music: Technology, Music, and Culture. 4. ed. New York: Routledge, 2012.
KATZ, M. Capturing Sound: How Technology Has Changed Music. 2. ed. Berkeley: University of California Press, 2010.
MCLUHAN, M. Understanding Media: The Extensions of Man. 1. ed. New York: McGraw-Hill, 1964.
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