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Armadilha Digital: como TikTok e Instagram estão reprogramando seu cérebro - o perigo oculto dos vídeos personalizados (dados de pesquisa científica)

Atualizado: 16 de set. de 2024


Ilustração de um cérebro conectado a um celular exibindo uma rede social de vídeos e fotos, simbolizando os efeitos dos algoritmos de recomendação no comportamento e vício.
Como redes sociais de vídeos e fotos podem influenciar o cérebro, ativando áreas ligadas ao prazer e dependência, destacando o impacto dos algoritmos de recomendação na atenção dos usuários


Vivemos em uma era em que o tempo e a atenção se tornaram moedas valiosas, disputadas intensamente pelas grandes plataformas digitais. Nesse cenário, o TikTok e o Instagram emergiram como exemplos emblemático de como a inteligência artificial e os algoritmos de recomendação podem capturar e manter a atenção dos usuários de maneira quase irresistível. Entretanto, o que pode parecer inofensivo - assistir a vídeos curtos e divertidos - está se revelando uma armadilha sofisticada que afeta diretamente o cérebro humano, criando padrões de uso problemático que se assemelham ao vício. É esse alerta que o artigo científico “Viewing personalized video clips recommended by TikTok activates default mode network and ventral tegmental area” faz com contundência, ao revelar como os vídeos personalizados ativam intensamente áreas cerebrais associadas à recompensa e à atenção, contribuindo para um consumo compulsivo e descontrolado da plataforma (Su et al., 2021).


O estudo realizado por Su et al. (2021) aponta que aproximadamente 5,9% dos usuários de TikTok podem estar desenvolvendo um uso problemático da plataforma, com padrões comportamentais que lembram o vício em substâncias. Esse dado é alarmante, principalmente porque o TikTok é amplamente utilizado por jovens adultos e adolescentes, grupos mais vulneráveis à manipulação comportamental e à captura da atenção. A pesquisa revela que o TikTok, ao personalizar os vídeos recomendados com base nos interesses do usuário, ativa áreas do cérebro como o default mode network (DMN) e a área tegmental ventral (VTA), ambas envolvidas nos processos de recompensa e motivação, reforçando o comportamento de assistir continuamente aos vídeos (Su et al., 2021). Essa personalização, aparentemente inofensiva, pode ter consequências profundas, levando à perda de autocontrole e à formação de um hábito compulsivo.


É necessário refletir criticamente sobre os impactos desse uso desenfreado das redes sociais, especialmente as plataformas que fazem uso intensivo de algoritmos de recomendação. Quando o estudo revela que os usuários que apresentam menor capacidade de autocontrole tendem a consumir mais horas diárias no TikTok, ele está nos alertando para uma verdade incômoda: essas plataformas não apenas facilitam o vício, elas são projetadas para isso (Su et al., 2021). A natureza rápida e altamente recompensadora dos vídeos curtos promove uma dopamina constante no cérebro, criando um ciclo de repetição e recompensa que dificilmente pode ser interrompido sem uma intervenção consciente. Como Everitt e Robbins (2005) destacam, esse padrão de comportamento pode facilmente evoluir de um reforço inicial para um hábito compulsivo, levando ao que os especialistas chamam de desordem comportamental.


Além dos danos cerebrais identificados no estudo de Su et al. (2021), que indicam a ativação exacerbada de áreas relacionadas à recompensa e ao prazer, como a VTA, o artigo também aponta para uma desconexão da rede neural responsável pelo controle emocional e a autoconsciência.

É como se os usuários estivessem perdendo a capacidade de refletir sobre o próprio comportamento enquanto imersos no consumo incessante de conteúdo.

Esse ponto ressoa com as observações de Muniz Sodré, que há muito tempo alerta para o “colonialismo do imaginário” promovido pelas grandes plataformas digitais. Sodré (2020) ressalta que essas empresas capturam e condicionam a atenção humana, transformando-a em mercadoria, um processo que diminui a capacidade crítica e a autonomia dos indivíduos.


Se eu estivesse numa aula minha, essa era a hora de eu perguntar aos meus alunos: até que ponto as plataformas como TikTok estão moldando os padrões de comportamento da nossa sociedade?

Quando um algoritmo de recomendação é capaz de ativar circuitos cerebrais responsáveis pelo prazer e pela motivação, enquanto desativa aqueles ligados ao autocontrole e à reflexão crítica, estamos diante de um fenômeno perigoso. Não se trata apenas de um problema de saúde mental, mas de uma questão ética e social. Estamos, como sociedade, aceitando passivamente que gigantes tecnológicos manipulem nosso comportamento em troca de lucro?


Os números são claros: 67% dos usuários de TikTok, segundo o estudo de Su et al. (2021), utilizam a plataforma por menos de uma hora por dia, mas 30% passam entre uma e duas horas, e 3% chegam a usar por mais de duas horas diariamente. O problema se agrava quando cruzamos esses dados com o fato de que aqueles com maior dificuldade de autocontrole são os mais propensos a gastar longos períodos na plataforma. Isso nos leva à conclusão de que o TikTok, ao invés de oferecer uma forma de entretenimento saudável, está contribuindo para a deterioração da saúde mental de milhões de pessoas.


Estudos anteriores já demonstraram que o uso excessivo de tecnologias digitais está associado a uma série de problemas de saúde mental, incluindo ansiedade, depressão e isolamento social (Akin; Iskender, 2011; Weinstein; Lejoyeux, 2010). O que o artigo de Su et al. (2021) adiciona a esse debate é a evidência de que os algoritmos de recomendação, especialmente os do TikTok, estão exacerbando esses problemas ao criar um ambiente digital que promove a perda de controle e a compulsividade. Isso é particularmente perigoso para as gerações mais jovens, que estão crescendo em um mundo no qual a gratificação instantânea proporcionada por esses aplicativos está moldando suas expectativas de vida.


O alerta é claro: não podemos continuar a ignorar os efeitos devastadores que essas plataformas estão causando no cérebro humano. É urgente que governos, educadores e pais estejam atentos a esse novo tipo de vício, que pode parecer menos danoso do que os vícios tradicionais (como das drogas tão conhecidas), mas que tem o potencial de causar impactos profundos e duradouros na saúde mental e no comportamento social.


Referências bibliográficas


AKIN, A.; ISKENDER, M. Internet addiction and depression, anxiety and stress. International Online Journal of Educational Sciences, v. 3, p. 138–148, 2011.


EVERITT, B.J.; ROBBINS, T.W. Neural systems of reinforcement for drug addiction: from actions to habits to compulsion. Nature Neuroscience, v. 8, n. 11, p. 1481-1489, 2005.


SODRÉ, M. As estratégias sensíveis: afeto, mídia e política. Petrópolis: Vozes, 2020.


SU, C.; ZHOU, H.; GONG, L. et al. Viewing personalized video clips recommended by TikTok activates default mode network and ventral tegmental area. NeuroImage, v. 237, 2021. Acessado em https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1053811921004134


WEINSTEIN, A.; LEJOYEUX, M. Internet addiction or excessive internet use. American Journal of Drug and Alcohol Abuse, v. 36, p. 277–283, 2010.

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