A patologia do lucro: a psicologia sombria dos líderes que justificam decisões imorais e danosas em busca das metas
- W. Gabriel de Oliveira
- 22 de set. de 2024
- 4 min de leitura
Atualizado: 8 de out. de 2024

Além da manipulação do consumidor, a perpetuação de práticas publicitárias antiéticas passa também pela figura dos gestores que, muitas vezes, não apenas toleram, mas ativamente justificam e perpetuam tais ações. Sob uma análise psicanalítica, podemos compreender esses comportamentos como reflexos de narcisismo corporativo e uma desconexão com a ética, enraizados em dinâmicas de poder, competição desmedida e uma profunda alienação moral.
O Narcisismo no mundo corporativo: a construção de gestores alienados
Sigmund Freud, em "O Mal-Estar na Civilização" (1930), discute a relação do indivíduo com o poder e como o impulso narcisista pode se manifestar em atos de dominação e exploração. No contexto corporativo, esse narcisismo é exacerbado por uma cultura que celebra o sucesso financeiro acima de tudo, criando gestores que se veem como intocáveis e justificados em suas ações, por mais imorais que sejam. A busca incessante por reconhecimento, status e poder faz com que esses líderes se sintam autorizados a transgredir normas éticas, interpretando qualquer resistência como fraqueza ou incompetência.
Essa análise é apoiada por Paul Verhaeghe em "What About Me? The Struggle for Identity in a Market-Based Society" (2014), no qual argumenta que o ambiente neoliberal molda sujeitos narcisistas que veem as pessoas não como seres humanos, mas como objetos úteis ou descartáveis na busca pelo lucro. No caso dos gestores de marketing, essa visão distorcida justifica a manipulação dos consumidores e a exploração de questões sociais como simples ferramentas para atingir metas de desempenho, ignorando o impacto social dessas ações.
Desumanização e a cultura da competitividade: a sombra do superego corporativo
O psicanalista Christopher Bollas, em "The Shadow of the Object: Psychoanalysis of the Unthought Known" (1987), explora como o inconsciente coletivo de uma organização pode operar para suprimir a culpa e a vergonha, permitindo que ações moralmente questionáveis sejam vistas como normais ou até virtuosas. Para muitos gestores, a internalização de valores corporativos competitivos e desumanizadores atua como um superego distorcido que premia a exploração e a ganância, transformando a transgressão ética em um ato de "coragem" ou "inovação."
Dados de pesquisa da Harvard Business Review (2022) indicam que 65% dos líderes empresariais admitem que a pressão para alcançar resultados financeiros frequentemente leva a decisões eticamente duvidosas. Essa pressão reflete uma cultura corporativa na qual a moralidade é sacrificada em nome do lucro e que os gestores são recompensados não por sua integridade, mas por sua habilidade de maximizar ganhos, muitas vezes às custas de princípios éticos.
A regressão moral e a ilusão de controle
A teoria da regressão psicanalítica, proposta por Melanie Klein em suas análises sobre o ego e a agressividade, nos permite entender como gestores, diante da pressão por resultados, podem recuar para estados emocionais primitivos de negação e racionalização. Klein, em "Inveja e Gratidão (escritos de 46 a 60)" (2023), discute como indivíduos em posições de poder frequentemente se recusam a reconhecer suas falhas ou os danos que causam, protegendo-se por meio de mecanismos de defesa como a projeção e a desvalorização dos outros.
Nesse contexto, o gestor que justifica ações publicitárias nocivas opera em um estado de regressão moral, no qual a própria realidade é negada em favor de uma ilusão de controle e sucesso. Ele se vê como um herói corporativo, imune às críticas, e ignora as consequências de suas ações para focar apenas em seu próprio ganho. Essa desconexão com a realidade moral é não apenas patológica, mas também devastadora para a sociedade, pois reforça um ciclo de exploração e desumanização.
Dados que refletem a alienação moral dos gestores
Estudos da McKinsey (2021) apontam que 72% dos executivos se sentem pressionados a sacrificar valores pessoais em prol dos objetivos corporativos. Essa desconexão moral é alimentada por um ambiente que glorifica resultados a curto prazo, criando gestores que vêem a ética como um obstáculo ao sucesso, em vez de um princípio norteador. A incapacidade de reconhecer o impacto negativo de suas ações sobre a sociedade reflete uma profunda alienação, na qual a obsessão pelo lucro sobrepõe qualquer consideração humana.
O sociólogo Zygmunt Bauman, em "Modernidade Líquida" (2000), descreve essa desconexão como parte de uma modernidade na qual tudo, inclusive a moralidade, é fluido e descartável. Para o gestor contemporâneo, que navega nesse mar de incertezas e valores transitórios, a única constante é a pressão por lucros crescentes, justificando assim a adoção de práticas predatórias e manipuladoras.
A urgência de uma reflexão ética
A figura do gestor que considera ações antiéticas como normais e justificáveis não é apenas um produto da cultura corporativa contemporânea, mas também um reflexo de distorções psíquicas e sociais profundas. A análise psicanalítica revela que a busca incessante por lucro, combinada com um narcisismo exacerbado e a negação das consequências, cria líderes alienados e moralmente descomprometidos. Essa desconexão não só degrada a moralidade na publicidade, mas também compromete o tecido social, perpetuando um ciclo de exploração e desigualdade que deve ser urgentemente confrontado.
Referências bibliográficas
BAUMAN, Z. Modernidade Líquida. Zahar, 2000.
BOLLAS, C. The Shadow of the Object: Psychoanalysis of the Unthought Known. Free Association Books, 1987.
FREUD, S. O Mal-Estar na Civilização. Companhia das Letras, 1930.
HARVARD BUSINESS REVIEW. Ethical Decision Making in Business: A Behavioral Economics Perspective. Harvard Business Review, 2022.
KLEIN, M. Inveja e Gratidão (escritos de 46 a 60) Editora UBU, 2023.
MCKINSEY & COMPANY. The State of Corporate Ethics. McKinsey & Company, 2021.
VERHAEGHE, P. What About Me? The Struggle for Identity in a Market-Based Society. Scribe, 2014.
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